sábado, 25 de setembro de 2010

Descobri ao acaso todos os cadernos quase cheios de outra Era.
Outra pessoa rabiscou nas suas páginas os devaneios, as ilusões, o auto-flagelo de ego ou tão somente as emoções inomináveis que experienciava avidamente.
Era outra pessoa.
Não me reconheço já naqueles traços trémulos que a caneta teimosamente desenhou no papel.
Não conheço aquela dor disfarçada de ingenuidade que incendeia aquelas palavras...
Os textos, meticulosamente arquitectados, tombam perante a minha leitura com a certeza de terem sido alimentados pela fome de exposição que hoje me agonia e transmuta os sentidos.

Minto.
Conheço tão bem cada pedaço daquela dor que ainda hoje lhe sinto o sabor a cobre na língua,
Ainda me assombram aqueles pensamentos, de tal forma que ainda hoje tenho dificuldade em adormecer...
Com medo que eles ousem tocar-me novamente.

Construí, nos textos e na mente, uma torre tão alta que me proteja...
Hoje não a reconheço.
Não me quero reconhecer.
E lamento por essa, que já não sou eu, que nunca teve quem a defendesse.
Talvez tenha sido positivo, hoje já se defende sozinha, claramente.
Antecedo os teus passos com a mesma ansiedade com que te desejo sentir.
Ouço-os já a cruzar a minha sombra, a alcançar o meu espaço...
A minha zona de conforto, fragilmente erguida, o meu recato interior à insanidade que grassa lá fora.
Trespassas esta propriedade com o mesmo à vontade com que partilhas a minha vida, e a minha mente... todos os dias.
Consigo sentir-te as dores, as mágoas, como se a tua carne vivesse dormente e latejasse premente debaixo da minha.
Como se nos tivéssemos fundido numa massa distinta, mas uniforme e coesa ao mesmo tempo.

Sinto-te.

Dedilho cada poro de ti com o mesmo reconhecimento de cada milímetro meu.
Partilho-te o pensamento mesmo antes de a necessidade te surgir.
E sorris-me, quando devia ser eu a estar grata por te ter.

Trespassaste o meu recato, invadiste a minha zona de conforto.
Sinto-me frágil e a minha vontade, antes firme e segura, é agora volátil perante um tu que me assola.
Não sei ainda lidar com isto.
Ainda não sei se é suposto lidar com isto.

Ou simplesmente ceder.