terça-feira, 28 de abril de 2009

Sentei-me no lancil do passeio e todos os passos que me antecederam calaram-se de som
Todos os ruídos que a rua vomitava em torno de mim desvaneceram-se neste momento, e fiquei só,
Com o meu cigarro a queimar-me os lábios, sentada no lancil do passeio,
á espera de ter a força e a vontade de me erguer.
á espera de ter um motivo para me levantar e deixar a minha sombra esquecer-se do passado.
á espera de uma mão que me erguesse.
Mas ela nunca me foi estendida...
E nesse momento, em que os sons se calaram, no momento em que me partilhei com o chão,
Tão perto como se me fundisse com o calor do asfalto e os cheiros da rua,
Os cheiros do mundo que realmente vive e respira, dissociado da minha existencia,
Letárgica, obsoleta,
Nesse momento senti-me morrer lentamente,
Desejando que nunca ninguém me sentisse a falta,
De modo a sempre permanecer aqui,
No lancil do passeio, onde os ruídos se calam e a minha sombra se esquece de mim.

domingo, 19 de abril de 2009

Esvaziei-me de sentido para te poder albergar em mim
Como um manto de loucuras tecido em cetim
Dediquei-te um beijo, prolongado, molhado de saber e doce de veneno
Como se o amanhã não nos trouxesse um fim de paixão
Amortalhado e seco de significado.
Completei-te com preces de enlace de pele em carne viva de desejo
Como se dentro de mim renascesses extasiado de vida e suores de existir...
Alberguei-te no meu colo, para te refugiares,
Para te ter mais perto e não deixar fugir.
Alberguei-te dentro de mim para te sentir sempre na luxúria do meu egoismo sórdido e languido...
Para te trazer no bolso e usar a meu proveito,
Sempre que a vontade me chegar.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

conversas

Pensas que tens tudo alinhavado,
podes até ter a certeza de tudo o que dizes estar certo,
tudo o que fazes ser pelo melhor
tudo o que pensas, é despersonalizado,
racionalmente debitado e informatizado a cada expiração
a cada fracção de consciencia que tens de ti proprio.
Até que te apercebes,
que a fé é só isso mesmo, uma esperança desmedida em algo que pode nunca vir a concretizar-se
A crença, o impulso, o "destino", não passam de adjectivos com que tediosamente rotulamos aquilo que nos acontece nas horas amontoadas a que chamam de vida
E quando dás por ti, a dizer tudo o que ensaiaste na tua cabeça
Por anos a fio, tão bem ensaiado, tão minuciosamente descrito
Tão estupidamente real...
Quando dás por ti, tens de facto as palavras a ecoarem no cérebro,
Tens tudo certo, abres a boca e realmente é desta ...
Mas o vazio a que te habituaste engole-te inteiro,
E tens realmente pena de magoar,
Tens pena de te ser sincero demais, tens receio de que não compreendam a tua língua,
De ser mal-interpretado, de ser interpretado bem demais,... e principalmente...
Essas palavras que te assolam, que se assomam na tua cabeça, há tantos anos
Que será de ti sem elas depois?
Como colmatar o vácuo deixado por elas,...
Porque essa dor, e essa cruz já te está calcificada nos ossos, já é parte da tua pessoa, já te ensinou, já te fez errar e já te marcou para a vida.
E sem ela? Sem essa muleta invisível, conseguirás caminhar?
Mais erecto, mais senhor de ti, mais coeso e cheio de auto-estima?
Talvez não.

sábado, 4 de abril de 2009

E não posso dizer-te tudo isto que contenho cá dentro.
Não consigo conter-me de te depositar toda esta fé
Não consigo acalmar esta necessidade em mim
De te querer mais que o desejo que me impele a ti
És-me tudo, desde o som dos meus passos que se repetem sem fim
Na calçada que pisas julgando ser noite e não dia
Nesse acender de cigarro com a minha chama tardia
Nesse teu olhar em que me revejo, nos revejo vezes e vezes sem conta.
Preciso-te tanto que me sufocam as dores de não te ter
Emaranhados confusos que se erguem anafadamente aos meus olhos cansados
Choros de outros dias, outras histórias , outras mazelas que lambi com o tempo
E de tudo o que devia tirar neste espectáculo de luzes e sons mal concebidos
Tudo o que esperava encontrar está amarelado, baço e com verdete da espera
Hipotecado a uma vontade de me reconstruir que teima em dilacerar-me por dentro
Como que um sufoco da teimosia de não me conceber mais do que este projecto inacabado de alguém
Alguém que um dia contou ter um molho de sonhos amachucados na algibeira, para os poder saborear mais tarde
Hoje estão fétidos de bolor e não me valem, nem eu lhes posso valer.
Valia mais te-los solto com o saco de papel onde asfixiei a borboleta há anos atrás.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

In the flesh

Escrevo-te com deleite, como se a minha mão te desenhasse em carne no papel.
Contorno-te as feições com palavras de ternura que nunca te irei proferir nem dedicar.
E quando te circundar de exclamações, quando resvalares nesta folha em desejos, hipérboles, insinuações,
Saberei precisamente onde tocar, terei mil fracções de segundo para retroceder nas minhas decisões.
Tantas hipóteses de te preencher a carne com a luxúria do vinho, como as que te sonho ao manchar de tinta, rudemente, este pedaço de papel.
E antes que o toque acalorado dos teus lábios se prenda ao enlace dos meus dedos, tropegos, e arfantes de desejo...
Antes que caia a noite, suave veneno em áurea taça que partilhamos com as mesmas horas que nos embargam os sentidos,
Antes que nos descuremos em sentimentos cáusticos, carícias mordazes e promessas vazias num amanhã...
Sim, antes que esse amanhã nos engula sem ar, sem luta, somente nos deguste incansável e irascível contra o frio do chão, a dureza da pedra, em contraste com o calor da tua carne desnuda e frágil.




Antes de tudo isso, quero perder-me nesse desejo mórbido, nessa languidez quase-perfeita e pós coital
Quero ser-me como há muito não sabia ser, se é que algum dia me soube ...













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